UTILIDADE VENCEU VALOR HISTÓRICO
Cotonifício Crespi é adaptado para novo uso (Hipermercado):
Afinal, como se faz a preservação do patrimônio histórico?
Máquinas têxteis do Cotonifício Crespi em 1938
Vazio, abandonado e sofrendo a degradação
do tempo. Quando, no final de 2003, uma rede de hipermercados alugou o edifício
central e outros anexos do Cotonifício Crespi, a notícia foi bem recebida
pelos moradores do bairro da Mooca, em São Paulo. Esses moradores só não
contavam com o fato de que o projeto de restauro previa a própria
demolição do prédio.
A restauração do Cotonifício Rodolfo Crespi, um conjunto de
edifícios industriais para tecelagem fundado em 1897, é controversa por
ser ilustrativa de um dos problemas mais recorrentes na preservação do
patrimônio industrial: a sua descaracterização ou destruição. “O problema da
restauração do Cotonifício Crespi é que se priorizou o seu novo
uso em detrimento do seu valor histórico. Esse é o erro mais
comum cometido nas restaurações de edificações industriais”, afirma
Cláudia Yamada, tecnóloga em construção
civil e especialista em patrimônio arquitetônico, Yamada
foi uma liderança importante na mobilização que contestou o
projeto de restauração do Cotoníficio.
Restaurado? ou destruído?
“Não considero a obra realizada no
Cotonifício Crespi como um restauro já que não foram respeitadas suas
características históricas, estéticas e memoriais. A estrutura foi toda
descaracterizada, apenas a fachada foi mantida, boa parte do conjunto
industrial foi demolido para ser transformada em estacionamento”, afirma
Manoela Rossinetti Rufinoni, arquiteta da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Rufinoni destaca que o
edifício central do Cotonifício foi todo demolido por dentro e sua
estrutura de vigas e pilares metálicos – importados da Europa em meados da
década de 1920 - foi retirada e substituída por uma estrutura de concreto
armado, mais “adequada” para abrigar as prateleiras padronizadas do
hipermercado.
Projetado pelo arquiteto italiano Giovanni
Battista Bianchi, além de ser um relevante patrimônio industrial devido à
sua arquitetura, o Cotonifício também é importante por ser representativo da
própria história da industrialização e suas relações de trabalho na cidade
de São Paulo, que abriga momentos como as primeiras greves operárias
realizadas no Brasil em 1917.
Mobilização
“Dentro do quadro de possível total
abandono do Cotonifício – abandono que caracteriza outros edifícios
históricos da região – talvez a restauração realizada tenha sido a melhor
solução encontrada”.
Cláudia Yamada faz essa ressalva
considerando todo o processo de mobilização realizado contra as
demolições. O movimento, segundo ela, surtiu efeitos positivos: fez com que o
hipermercado fizesse alterações no projeto original de restauração que
previa a preservação de apenas duas fachadas do edifício. Segundo Yamada,
por conta da pressão popular conseguiu-se salvar a volumetria e
importantes registros históricos do Cotonifício, como o último andar do
edifício central que foi inteiramente preservado.“
Conseguimos fazer com que uma parte da
estrutura que é importante para a memória afetiva das pessoas fosse
mantida”, lembra a tecnóloga. Segundo Manoela
Rufinoni, muitos moradores da região aprovaram o projeto de restauração quando
ele ainda era uma promessa no papel. Isso teria acontecido pelo fato de
serem leigos no assunto e não saberem, exatamente, no que ele implicava.
Por conta disso, as mobilizações contra a restauração só se
intensificaram com o início da demolição do prédio, numa manhã
de domingo de julho de 2004. “As pessoas mais
idosas do bairro foram as que mais se envolveram, principalmente aquelas que
guardam lembranças da fábrica em funcionamento ou aquelas cujos
familiares trabalharam no Cotonifício. Uma imigrante romena de 82 anos,
que trabalhou no Cotonifício, chorou ao assistir à demolição pelos guindastes e
teve o impulso de pegar um tijolo para guardar de lembrança”, lembra
Rufinoni.
Alguns moradores se organizaram, então, para tentar barrar o
prosseguimento da demolição. O Departamento de Patrimônio Histórico (DPH)
da Prefeitura de São Paulo e o Ministério Público Federal conseguiram uma
liminar para paralisar as obras de restauro. Mas o embargo durou pouco tempo
devido ao fato do Cotonificio não ser um patrimônio histórico tombado – o
processo de tombamento encontra-se em análise há 13 anos no DPH. A obra
prosseguiu e, em março de 2005, o hipermercado foi inaugurado.
Especulação imobiliária
A Mooca é próxima do centro da cidade e
também é servida por linhas de metrô. Por conta disso, a especulação
imobiliária no bairro vem crescendo desde a década de 1980 e alterando sua
paisagem com a verticalização promovida pela construção de grandes
edifícios. Segundo Manoela Rufinoni, o tipo de restauração realizada no
Cotonifício Crespi deve ser entendida também nesse contexto de valorização imobiliária
do bairro. “Trata-se da ocupação de áreas valorizadas. A ‘restauração’ do
Crespi foi uma desculpa para a ocupação do solo, do terreno do Cotonifício”.
Apenas o seu edifício central - de todo um
conjunto de edificações interligadas e que tomavam todo um quarteirão do
bairro - foi “preservado”. Ao redor desse quarteirão do Cotonifício existem
ainda uma série de outros imóveis historicamente importantes em seu
entorno: o estádio do
Juventus – time de futebol formado por funcionários do Cotonifício no
início do século XX –
creches e casas construídas para os operários e remanescentes do
antigo Hipódromo de São Paulo que se localizava na Mooca antes de ser transferido
para Cidade Jardim.
Para Cláudia Yamada, a especulação
imobiliária na região ameaça esses e outros patrimônios industriais tais
como a Companhia Antárctica Paulista onde ainda se encontra o maquinário
original da cervejaria que pode vir a ser destruído para a construção de
mais um “empreendimento de alto padrão” como anunciam os outdoors espalhados
pelo bairro.
Adaptado
de Reportagem Carolina Cantari; Em “Patrimônio – Revista eletrônica do IPHAN -Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=169
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário! Sua participação é MUITO IMPORTANTE!
Em breve ele será publicado, após liberação pelo Editor responsável.
Já estamos esperando sua próxima participação!